terça-feira, 15 de março de 2011

Surdos oralizados

Surdos oralizados

Por Lak Lobato

De vez em quando, alguém me pergunta o que é um surdo oralizado.

Afinal, todo mundo já ouviu falar de surdos que se comunicam por sinais (e até acham que isso é comum de todo deficiente auditivo) e de gente que ouve usando aqueles aparelhos pendurados na orelha.

Por conta dessa falta de divulgação sobre o nosso grupo, dos surdos oralizados, decidi que precisava fazer um blog contando a minha experiência, o "Desculpe, não ouvi!". Minha preocupação principal era esclarecer sobre a diversidade que existe entre as pessoas que têm essa deficiência.

Atualmente, com a divulgação da Libras, muita gente fica deslumbrada com a Língua de Sinais e acha que este idioma é comum a todo deficiente auditivo. A Libras é um idioma belíssimo e reconhecido oficialmente como segundo idioma oficial do Brasil, mas ela não contempla as necessidades de todo deficiente auditivo.

Essa idéia de que deficiente auditivo é sempre sinônimo de Libras ocorre muito porque, quando se aborda o tema da deficiência auditiva, rapidamente se vem à mente o estereótipo (e o termo errado) do surdo-mudo. Alguém que não fala, porque não ouve. E se não ouve, não poderia falar e, por isso a solução para se comunicar é a Libras.

Existem vários tipos pessoas que convivem com a limitação auditiva. Há quem consiga driblar a deficiência com aparelhos auditivos comuns. A pessoa vai lá, coloca um aparelhinho na orelha, passa a ouvir com essa ajuda e resolve tudo. Essas pessoas são chamadas de deficientes auditivos e, normalmente, possuem perda em grau leve ou moderado.

Mas existe também quem tenha deficiência auditiva severa e/ou profunda e não faça uso da Língua de Sinais. Pessoas com deficiência auditiva que, apesar de não ouvirem nem mesmo com aparelhos, falam normalmente (ainda que com sotaque típico) e se comunicam valendo-se da leitura labial. São pessoas que perderam a audição depois da aquisição da fala através da audição (também chamados de surdos pós-linguais) ou cujos pais acreditaram na oralização através da fonoterapia. O que os diferencia dos deficientes auditivos de graus mais leves é justamente o fato de serem incapazes de discriminar a fala auditivamente, mesmo utilizando próteses auditivas. O termo usado para referir-se a essas pessoas, é surdo oralizado.

Os surdos oralizados, em geral, não costumam ter muito interesse pela língua de sinais, porque a língua que se tornou natural é o idioma comum, no caso do Brasil, o português. Quando um surdo fala português oral e Libras, é chamado de bilíngüe ou bimodal.

Como os Surdos Oralizados são comumente confundidos com deficientes auditivos, já que conversam normalmente, muitas vezes, têm direitos e necessidades negados. Embora um surdo oralizado não negue as necessidades dos surdos que não são oralizados e respeite a Libras, ele também precisa de algumas adaptações para si.

Não adianta deduzir que todo deficiente auditivo sabe a língua de sinais e achar que basta por si só. Um surdo oralizado dificilmente vai entender uma janela com interprete de Libras na televisão, uma vez que não domina esse idioma. Um surdo oralizado precisa de legenda, porque geralmente tem facilidade de leitura e tem o português como base lingüística. Um surdo oralizado não quer um interprete de Libras numa palestra (a alternativa seria um interpreteoralista, que traduza o que é falado, mas oralmente), mas quer sentar numa posição que lhe dê boa visibilidade do palestrante. Um surdo oralizado quer apenas um pouco de paciência e boa vontade do interlocutor, para falar com calma e de forma natural, sempre virado pra ele.

Muita gente acha que é obrigação de um deficiente auditivo aprender a língua de sinais, numa tentativa de homogeneizar a deficiência. Só que isso é um desrespeito à individualidade e à diversidade. Se o primeiro idioma que eu aprendi foi o português, é meu direito como cidadã brasileira tê-lo como primeiro (e até único) idioma. Não é porque uma parcela de deficientes auditivos usa a língua de sinais – que pra eles é útil e absolutamente necessária – que toda pessoa com déficit auditivo tem obrigação de utilizar esse idioma no dia a dia. Seria a mesma coisa que forçar todo deficiente físico, à revelia das suas condições, a usar cadeira de rodas e ponto. Rejeitar-se-ia o uso do andador, da muleta, das próteses e órtoses. Reduzindo todo e qualquer deficiente físico a cadeirante, sob alegação de que assim, é mais fácil fazer adaptações.

A leitura labial é uma forma de comunicação aceitável sim! Muita gente consegue se virar bem com ela. A leitura pode até não ser uma copia fiel da audição, mas é uma forma de comunicação tão válida quanto a audição ou a língua de sinais.
E todo surdo que quiser falar oralmente, tem o direito de se expressar dessa forma, mesmo que a voz dele tenha um sotaque característico de quem usa, no lugar do feedback auditivo, a vibração e ressonância óssea como controle de voz.

Atualmente, existe também a opção de um surdo oralizado ou não, que não consegue ouvir com aparelhos convencionais, recorrer ao implante coclear – um aparelho especial, inserido parcialmente por cirurgia, que permite recuperar boa parte da audição perdida ou ausente, reproduzindo artificialmente a estimulação do som natural, diretamente na cóclea – e passam a se comunicar ainda mais por via sonora. Nesses casos, os usuários do IC são chamados de “implantados”.

O implante coclear possui duas partes, uma interna e outra externa, que só funcionam em conjunto. Ele nos devolve parte da audição e permite a percepção maravilhosa do universo sonoro. Nem sempre o aparelho convencional tem potência suficiente para permitir que um deficiente auditivo ouça, por exemplo, o som da campainha, do interfone ou o miado do seu gatinho de estimação.

Mas, é importante lembrar que o Implante Coclear não cura a deficiência auditiva. Um surdo não deixa de ser surdo porque usa o IC, uma vez que ele só ouve quando usa também a parte externa do aparelho. Portanto, mesmo um surdo implantado continua sendo parte da diversidade dessa deficiência.

Nem todo mundo consegue chegar a compreender plenamente a fala através do implante. Varia muito conforme a idade em que foi feito o IC e o tempo em que se permaneceu ensurdecido. Mas, certamente, permite que se quebre o silêncio em casos de surdez severa e profunda. E ouvir não se limita a usar a audição para se comunicar. O universo sonoro é muitíssimo rico e vasto, fazendo com que “ouvir”, mesmo que de forma artificial, seja uma experiência maravilhosa.

É sobre essas experiências de surda oralizada e, atualmente, implantada, que relato em meu blog.

Numa época que se fala tanto em diversidade, em inclusão e em respeito à individualidade, as pessoas precisam conhecer todos os tipos de integrantes do vasto universo da deficiência auditiva, além de respeitar as necessidades intrínsecas e características de cada grupo, sem se sobrepor ou negligenciar as necessidades dos demais. Há espaço suficiente para todos!


Lakshmi Lobato
Twitter: @LakL

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